Biografia de Sunzi
孫子列傳
Shiji 史記 de
Sima Qian 司馬遷
Versão de Amiot, 1772
[Tradução Sueli Cassal, 2006]
Sun Tzu, súdito do rei de Wu, foi o homem mais versado que jamais
existiu na arte militar. A obra que escreveu e os notáveis feitos que praticou são
uma prova de sua profunda capacidade e de sua experiência bélica. Antes mesmo
de ter conquistado a grande reputação que o distinguiu em todas as províncias
que integram hoje o Império, seu mérito era conhecido me todos os lugares
adjacentes à sua pátria.
O rei Wu tinha algumas contendas com o rei Tchu.
Eles estavam prestes a se engalfinharem numa guerra aberta e, de ambas as
partes, corriam os preparativos. Sun Tzu não quis ficar de braços cruzados.
Persuadido de que o personagem de espectador não fora talhado para si,
apresentou-se ao rei de Wu, solicitando ingresso em suas hostes. O rei, feliz
por um homem de tal mérito tomar seu partido, acolheu-o de bom grado. Quis vê-lo e interrogá-lo pessoalmente.
-
Sun Tzu - disse-lhe o
rei -, li a obra que escreveste sobre a arte militar, e fiquei muito contente;
mas os preceitos que sugeres me parecem de difícil execução. Alguns deles me
parecem absolutamente impraticáveis. Será que tu mesmo poderias executá-los? Há
um abismo entre a teoria e a prática. Imaginamos os mais belos estratagemas
quando estamos tranqüilos em nosso gabinete e só fazemos a guerra na
imaginação. Tudo muda quando estamos no
terreno. Geralmente, o que presumíamos fácil revela-se tarefa impossível.
-
Príncipe - respondeu
Sun Tzu -, nada disse em meus escritos que já não tivesse praticado nos
exércitos, mas o que ainda não disse é que estou em condições de fazer qualquer
um colocar em prática minhas idéias, bem como posso treinar qualquer indivíduo
para os exercícios militares, se for autorizado
a tanto.
-
Compreendo - replicou
o rei. – Queres dizer que instruirás facilmente, com tuas máximas, homens
inteligentes, de índole prudente e corajosa; que formarás, sem muita
dificuldade, para os exercícios militares homens afeitos ao trabalho, dóceis e
cheios de boa vontade. Mas a maioria não é desse naipe.
-
Não importa -
continuou Sun Tzu. - Disse "qualquer um", e não excluo ninguém de
minha proposição. Incluo até os mais sediciosos, os mais covardes e os mais fracos.
-
Ouvindo-o falar -
retomou o rei -, parece que incutirias até nas mulheres sentimentos que plasmam
os guerreiros, que as treinarias para os exercícios das armas.
-
Sim, Príncipe -
replicou Sun Tzu, com tom firme. - Rogo que Vossa Majestade acredite nisso.
O rei, entediado pelos divertimentos ordinários
da Corte, aproveitou a ocasião para obter um regalo diferente.
-
Tragam-me aqui -
disse - minhas cento e oitenta mulheres.
Ele foi obedecido, e as princesas apareceram.
Entre elas, havia duas que o príncipe
amava com devoção. Elas foram colocadas à
frente das outras.
-
Veremos - disse o
rei, sorrindo -, veremos, Sun Tzu, se manténs a tua palavra. Nomeio-te general
dessas novas tropas. Só terás que escolher o lugar mais apropriado no palácio
para exercitá-las às armas. Quando elas estiverem suficientemente treinadas, me
avisarás e eu virei fazer justiça à tua habilidade e a teu talento.
O general, sentindo todo o ridículo do papel que
lhe impingiam, não se desconcertou, mostrando-se, ao contrário, muito
satisfeito da honra que o rei lhe fazia, não somente permitindo que visse suas
mulheres, mas ainda colocando-as sob seu comando.
-
Executarei a tarefa a
contento, Majestade - replicou ele, com segurança. - Espero que, em breve,
Vossa Majestade tenha ocasião de rejubilar-se com os meus serviços,
convencendo-se de que Sun Tzu não é
homem de se vangloriar.
O rei retirou-se para seus aposentos, e o
guerreiro não pensou em mais nada senão em executar a tarefa. Solicitou armas e
todo o equipamento militar para seus soldados. Depois de tudo pronto, conduziu
suas tropas a uma das alas do palácio que lhe pareceu mais adequada a seus
propósitos. Então, Sun Tzu dirigiu a palavra às favoritas:
-
Vocês estão sob meu
comando e sob minhas ordens. Devem me escutar
atentamente e me obedecer em tudo o que ordenar.
Essa é a regra
militar fundamental. Evitem infringi-la.
A partir de amanhã, farão o exercício diante do rei, e deverão estar prontas.
Depois dessas palavras, cingiu-as com o boldrié
e lhes colocou uma alabarda na mão. Dividiu-as em dois grupos, colocando na
frente as favoritas. Depois desse
arranjo, começou as instruções nestes termos:
-
Sabem distinguir a
frente das costas, e a mão direita da mão esquerda? Respondam!
Só recebeu como resposta algumas gargalhadas.
Mas como permanecesse silencioso e sério, as concubinas responderam em
uníssono:
-
Sim, sem dúvida.
-
Assim, prestem muita
atenção ao que vou lhes dizer. Quando o tambor der um único golpe, permaneçam
na posição atual, prestando atenção ao que está em sua frente. Ouvindo dois
golpes, virem-se, de forma que a frente ocupe o lugar da mão direita. Quando
soarem três golpes, virem-se de forma que a frente ocupe o lugar da mão
esquerda. Quando o tambor der quatro golpes, devem virar-se e a frente deve
ocupar o lugar das costas. O que acabo de dizer pode não ter ficado claro.
Repito: Um único golpe de tambor
significa "Sentido!" Dois golpes, "direita, volver". Três
golpes, "esquerda, volver". Quatro golpes, "meia volta".
Repetindo; a primeira ordem que darei será esta: primeiramente farei soar um
único golpe. A esse sinal, ficarão prontas para o que vou ordenar. Alguns
momentos depois, soarei dois golpes: então, todas juntas, virarão à direita,
com gravidade. Em seguida, farei soar quatro golpes, e completarão a meia
volta. Depois, retomarão à posição inicial e, como antes, ouvirão um único
golpe. Compenetrem-se. Em seguida, farei soar, não dois, mas três golpes, e
vocês volverão à esquerda. Ouvindo quatro golpes, completarão a meia volta.
Compreenderam bem o que eu disse? Se têm alguma dificuldade, não hesitem em me
comunicar e tentarei solucioná-la.
-
Estamos prontas,
responderam as mulheres.
-
Assim sendo - retomou
Sun Tzu -, vou começar. Não se esqueçam de que o som do tambor substitui a voz
do general, pois é por seu intermédio que ele lhes dá ordens.
Sun Tzu repetiu essa instrução três vezes.
Depois, ordenou de novo seu pequeno exército. Em seguida, fez soar um golpe de
tambor. A esse barulho, todas as princesas começaram a rir. Ele soou duas vezes, elas riram mais forte. O
general, sem perder a compostura, dirigiu-lhes a palavra nestes termos:
-
Pode ser que não
tenha me explicado claramente. Se aconteceu isso, a culpa é minha. Vou tentar remediar o fato,
falando-lhes de uma forma que esteja a seu alcance.
Em seguida, repetiu três vezes a mesma
instrução, usando outros termos.
-
Quero ver se agora
serei melhor obedecido.
Ele fez soar o tambor. Soaram dois golpes. Em
virtude da situação estranha e grave em que se encontravam, as mulheres
esqueceram que era preciso obedecer. Após terem tentado controlar o riso que as
sufocava, soltaram as mais vivas gargalhadas. Sun Tzu não se desconcertou. No
mesmo tom que lhes tinha falado antes, disse-lhes:
- Se eu não tivesse me explicado bem, ou se vocês
não me tivessem afirmado, em coro, que tinham compreendido, não seriam
culpadas. Mas lhes falei claramente, como vocês mesmas admitiram. Por que não
obedeceram? Vocês merecem punição, e punição militar. No universo militar,
aquele que não obedece às ordens do general merece a morte. Vocês morrerão.
Depois desse preâmbulo, Sun Tzu ordenou que duas
mulheres matassem as favoritas, que estavam à sua frente. No mesmo momento, um dos
guardas das mulheres, percebendo que o guerreiro não estava brincando, correu
para avisar o rei a respeito do que estava acontecendo. O rei despachou alguém
para proibir que Sun Tzu matasse as duas favoritas, sem as quais não podia viver. O general escutou com respeito o
emissário, mas não acedeu ao pedido do
rei.
-
Diga ao rei -
respondeu - que Sun Tzu o considera bastante sensato e justo para pensar que ele pudesse ter
mudado de idéia, e queira realmente que eu aceda à contra-ordem recente. O
príncipe faz a lei, mas não poderia dar ordens que aviltassem a dignidade com
que me revestiu. Ele me encarregou de treinar suas cento e oitenta mulheres.
Sagrou-me seu general: cabe a mim fazer
o resto. Elas me desobedeceram, por isso morrerão.
Mal tendo pronunciado essas últimas palavras,
tirou o sabre e, com o mesmo sangue frio que mostrara até então, decapitou as
duas favoritas, que comandavam as outras. Imediatamente, substituiu-as por
outras, fez soar o tambor, como combinado. E, como se tivessem durante toda a
vida exercido o ofício da guerra, as mulheres manobraram em silêncio e de forma
impecável.
Sun Tzu dirigiu-se ao
emissário do rei:
Vá avisar o rei - disse - que suas mulheres
sabem fazer o exercício; que posso levá-las à guerra, fazer com que enfrentem
todo tipo de perigo, até mesmo atravessar a água e o fogo.
O rei, informado de
tudo, ficou desesperado.
- Perdi - disse, suspirando - o que mais amava no
mundo. Que esse estranho se retire em seu país. Não quero saber dele nem de seus serviços.
Então, Sun Tzu disse:
-
O rei ama palavras
vazias. Não é capaz de juntar o gesto à palavra.
O tempo e as circunstâncias fizeram com que o
rei fizesse o luto. Os inimigos estavam prestes a esmagá-lo. Então, convocou
novamente Sun Tzu, nomeou-o general de seus exércitos e, por seu intermédio,
destruiu o reinado de Tchu. Os vizinhos que antes mais o inquietavam, cheios de
temor à menção dos belos feitos de Sun Tzu, não hesitaram em pedir proteção a
um príncipe que tinha tal homem a seu serviço.